Desafio jurídico para as recargas de veículos elétricos em condomínio

De acordo com dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o mercado nacional de veículos eletrificados plug-in (modelos BEV e PHEV) já vendeu 434.612 veículos, fato que se constata nas ruas das cidades brasileiras, sendo Sul e Sudeste as regiões de maiores vendas.

Essa tecnologia, contudo, impõe novas obrigações concretas ao mercado imobiliário e às edificações que receberão o estacionamento destes veículos, geralmente estão situadas áreas fechadas das edificações. As garagens atuais, projetadas para abrigar veículos movidos a combustão, revelam-se, hoje, estruturas muitas vezes incompatíveis com as exigências técnicas e de segurança que envolvem o carregamento de baterias de lítio de alta potência.

O risco de superaquecimento, incêndio de alta temperatura e difícil combate devido a reignição, emissão de gases altamente tóxicos, bem como estruturas e lajes não dimensionadas a altas temperaturas exigem que tais ambientes sejam reequipados, reestruturados com sistemas de exaustão mecânica, sprinklers automáticos, detectores de fumaça e até compartimentações físicas específicas.

Mas quem vai pagar esse custo? O condomínio ou o(s) proprietário(s)?

O fato já causa preocupação e conflito de interesses, tanto é que o tema já vem sendo objeto de normatizações locais e recomendações técnicas em diversas unidades federativas. Em São Paulo, por exemplo, iniciativas regulatórias envolvendo o Corpo de Bombeiros e a própria ABVE resultaram na exigência de que novos edifícios residenciais, comerciais e mistos incluam, em seus projetos de garagem, infraestrutura compatível com carregamento seguro de veículos elétricos, incluindo chuveiros automáticos, ventilação forçada e sensores de gás e calor.

Paralelamente às exigências técnicas, despontam desafios jurídicos, econômicos e operacionais emergentes nos condomínios já consolidados. A discussão sobre a possibilidade (ou não) de se instalar pontos de recarga em vagas privativas tem sido motivo de dúvida entre moradores e síndicos. A questão gira em torno de uma colisão entre o direito de propriedade individual (artigo 1.228 do Código Civil) e os deveres de segurança coletiva (artigo 1.336, inciso IV). Diante da ausência de previsão específica em muitas convenções condominiais, e considerando os riscos de incêndio e sobrecarga elétrica, bem como do aumento do custo do seguro condominial, muitos síndicos têm negado pedidos de autorização, gerando impugnações administrativas e até ações judiciais.

Recusa pode caracterizar abuso de direito

Do ponto de vista jurídico, a negativa genérica e infundada à instalação de pontos de recarga pode caracterizar abuso de direito por parte da administração condominial, sobretudo se ausentes justificativas técnicas e legais. Por outro lado, autorizações desestruturadas, sem laudo técnico ou plano de mitigação de riscos, e que imponham custos comuns extras a quem não tem esses veículos, podem configurar negligência e dano concreto, expondo o condomínio, o síndico e o próprio proprietário do veículo, à responsabilização civil em caso de danos e sinistros.

Há, portanto, uma urgente necessidade de racionalização e sistematização normativa nas convenções condominiais e nos regimentos internos, com a introdução de cláusulas que disciplinem critérios técnicos mínimos para a instalação dos carregadores, definição de responsabilidade por custos de consumo, aumento no prêmio de seguros e manutenção, regras para aprovação em assembleia e, sobretudo, delimitação de zonas seguras para a recarga, observando as normas técnicas e de segurança contra incêndio locais, sendo que o incorporador já deve visualizar essa situação desde o projeto, sob pena de afetar o próprio valor do produto imobiliário.

Pressão econômica

Não menos importante é o impacto estrutural e pressão econômica que essa transformação impõe às incorporadoras, construtoras e condomínios já formados. As novas edificações precisam contemplar sistemas elétricos compatíveis com a crescente demanda por energia, possibilitando a instalação futura (ou imediata) de estações de recarga individuais ou coletivas, afetando o custo do projeto. A infraestrutura elétrica, o dimensionamento da carga, os sistemas de proteção e o relacionamento com as concessionárias e órgãos de controle devem ser pensados com vistas a evitar a necessidade de retrofits custosos e disruptivos no futuro.

O desafio da eletrificação veicular no meio imobiliário está na compatibilização da liberdade individual com a prudência coletiva, sem permitir que o temor paralise o progresso, nem que o entusiasmo desconsidere os riscos e imponha custos extras a quem não se eletrificar. É preciso ponderar o conflito de princípios, e encontrar o ponto de equilíbrio entre o uso pleno da propriedade e a proteção das pessoas e do patrimônio imobiliário.

PUBLICAÇÃO: CONJUR (https://www.conjur.com.br/2025-jul-12/desafio-juridico-para-as-recargas-de-veiculos-eletricos-em-condominio)

DATA: 12/07/2025

AUTORIA: Everton Balsinelli Staub (advogado, pós-graduado em Direito Imobiliário, Notarial e Registral pela Unisc/IRIB)